No artigo desta semana da Metropolis Magazine, Madeline Burke-Vigeland, arquiteta associada ao American Institute of Architects, credenciada pela LEED e diretora na Gensler, e Benjamin A. Miko, doutor em medicina e professor assistente do Centro Médico da Columbia University exploram juntos como a padronização de soluções técnicas e construtivas poderiam ser a solução que todos precisamos para melhor proteger as pessoas da COVID-19 e de futuras pandemias.
Desde o início da pandemia, arquitetos, designers e engenheiros se debruçaram sobre as suas pranchetas em busca de novas soluções que nos permitissem enfrentar os muitos desafios e urgências que tomaram o nosso mundo de assalto da noite para o dia. Concomitantemente com os avanços das ciências biomédicas que testemunhamos ao longo dos últimos anos, como os testes rápidos, o desenvolvimento de sistemas de isolamento e terapia intensiva além dos programas de vacinação em massa, a arquitetura e o design também contribuíram e muito nesta luta, permitindo recuperar a confiança entre os indivíduos e os espaços públicos e compartilhados—principalmente agora, no momento em que as pessoas começam a retomar suas rotinas e a reencontrar seus entes mais queridos. No entanto, apesar da esperança que ressurge neste momento de pós-pandemia, é evidente que estamos passando por um momento caracterizado por uma profusão de doenças infecciosas e recorrentes. Nas últimas duas décadas, enfrentamos diversas ameaças de possíveis epidemias e pandemias: como o vírus do Nilo Ocidental, o vírus da gripe H1N1, o SARS, MERS, o vírus Ebola e também o Zika. Se acrescentarmos a tudo isso a resistência crescente e contínua dos vírus aos antibióticos e as ameaças de bioterrorismo ao redor do mundo, ficará claro que este momento de ameaça constante à saúde pública deverá perdurar por mais alguns bons anos, senão décadas. Neste contexto, muitos arquitetos e arquitetas continuam a se perguntar: qual o impacto disso na maneira como concebemos e construímos nossos edifícios e espaços?
Em primeiro lugar, é importante reconhecer que doenças infecciosas e epidemias exigirão de nós todos novas soluções e abordagens, e acima de tudo, mudanças comportamentais para que possamos continuar a nos encontrarmos e a conviver com saúde e segurança. Colocando em perspectiva tudo o que aconteceu ao longo do ano passado e na primeira metade de 2021, fica claro que o despreparo e a demora na tomada de decisões urgentes por parte de alguns governos agravaram e muito uma situação já precária e ameaçadora. Dito isso, precisamos nos manter alerta e preparados ainda que a pandemia de COVID-19 desapareça em algum momento, estabelecendo e reforçando nossas infraestruturas de saúde pública para que possamos proteger as nossas comunidades no caso de futuras crises sanitárias que provavelmente nos acometerão novamente mais cedo ou mais tarde.
Modos de Transmissão de Doenças
Existem inúmeros agentes patogênicos (vírus, bactérias, fungos e parasitas) capazes de causar doenças; é fundamental que tenhamos todos em mente os princípios básicos de transmissão de doenças contagiosas, ao invés de apenas nos preocuparmos com as especificidades únicas do atual vírus que estamos combatendo. Em termos epidemiológicos, a transmissão ocorre quando um agente patogênico deixa um hospedeiro e é então transmitido por um determinado meio ou veículo para outro hospedeiro suscetível através de uma porta de entrada. As medidas de prevenção e controle de doenças transmissíveis visam barrar ou interromper uma ou mais dessas etapas de transmissão. Os hospedeiros de doenças podem ser humanos (indivíduos infectados), animais ou até mesmo o ambiente (ar, superfícies, água, solo, etc.). Entretanto, como os indivíduos infectados atuam como o principal hospedeiro e fonte primária de disseminação de vírus como a COVID-19 e a influenza, medidas preventivas como o uso de máscaras, distanciamento social, isolamento domiciliar e rastreamento de pessoas contagiadas são algumas das medidas mais eficazes. Por outro lado, medidas como esta seriam muito pouco efetivas se estivéssemos tratando de uma epidemia onde os principais hospedeiros são animais ou ambientais.
Os modos de transmissão de doenças podem ser diretos ou indiretos. A transmissão direta refere-se ao contato pele a pele, através de relações sexuais ou de contato com “partículas” de curto alcance como aquelas que emitimos ao respirar, tossir ou cuspir. Gotículas infecciosas, de tamanho relativamente grande, podem viajar alguns metros antes de cair no chão. No caso da COVID-19, estas partículas em suspensão são as principais responsáveis pelos contágios e disseminação da doença, e como tal, devem ser o primeiro alvo a ser combatido como medida preventiva.
A transmissão indireta, por sua vez, se refere à propagação do agente patogênico pelo ar, através de objetos ou superfícies (“veículos”) ou insetos (“vetores”). A transmissão aérea, na qual um agente infeccioso é transportado junto com partículas de poeira ou pela própria umidade do ar, é talvez a mais difícil de se controlar muito porque o patógeno pode ficar suspenso no ar por longos períodos de tempo. O sarampo e a tuberculose são alguns dos principais patógenos de transmissão indireta, e embora a COVID-19 seja principalmente disseminada por contato direto, ela também pode ser transmitida dessa maneira. Sistemas de ventilação e filtragem de ar podem ser muito úteis na prevenção de transmissão indireta de doenças contagiosas.
A transmissão indireta por veículos ocorre quando alimentos, água, produtos orgânicos ou superfícies contaminadas operam como o meio de propagação de um agente patogênico específico. Eventos de transmissão por veículos como alimentos e pela água são relativamente incomuns nos dias de hoje, muito em razão dos rígidos protocolos sanitários que seguimos e das infra-estruturas de saneamento básico disponíveis atualmente. A transmissão de doenças por superfícies contaminadas acontece principalmente em ambientes hospitalares, ainda assim, pouco se sabe sobre esta forma de contágio. A transmissão indireta por vetores é particularmente importante e preocupante, isso porque às mudanças climáticas e o desmatamento desempenham um papel fundamental neste sentido. Muitas das epidemias mais recentes foram provocadas por algum tipo de desequilíbrio ambiental, quando mosquitos ou outros patógenos passaram a contagiar comunidades que anteriormente nunca haviam sido expostas a estes agentes. Modos de transmissão indireta ocorrem frequentemente quando seres humanos se expõe fora de seu ambiente doméstico e, portanto, devem ser considerados com cuidado, como no caso da COVID-19. O combate a focos de reprodução de mosquitos e o uso de telas ou mosquiteiros nas janelas das casas são algumas medidas bastante eficazes para controlar a transmissão de doenças por vetores.
Conhecendo a fundo os principais modos de transmissão, é possível traçar um “plano” específico para cada tipo de modalidade de propagação de doenças—permitindo ainda incorporar soluções de projeto que nos ajudem a combater a disseminação de doenças contagiosas. As abordagens apresentadas a seguir foram delineadas a partir de algumas práticas recomendadas em ambientes hospitalares e que podem ser facilmente adaptadas para os nossos ambientes domésticos ou de trabalho.
Abordagem por Sistemas de Controle
Incorporando um plano de ação baseado na uniformização de soluções técnicas e construtivas na arquitetura, poderemos estabelecer um padrão uniforme de segurança que nos auxilie a combater a disseminação de doenças contagiosas através do espaço construído—seja ela aberto ou fechado. Neste sentido, é preciso operar uma mudança fundamental na forma com nos relacionamos com o espaço, algo com o que deveremos nos habituar daqui para frente. A seguir, elencamos algumas estratégias que profissionais da industria da construção civil devem considerar em suas práticas diárias:
Desenvolvimento de protocolos de seguraça: regulamentação da taxa de ocupação máxima, fluxo de pessoas, programas de triagem e disponibilização de informações sobre as normas de conduta e higiene. Ao implementar essas estratégias, como fazemos obrigatoriamente com questões relacionadas à segurança contra incêndio, usuários e visitantes de um determinado edifício ou espaço se sentirão mais protegidos e seguros para desempenhar as suas atividades.
Universalização de símbolos de segurança: Deveremos trabalhar em direção a padronização e universalização dos muitos símbolos de sinalização para lavagem das mãos, regras de distanciamento social e pontos de controle e triagem—os quais se disseminaram ao longo dos últimos anos—para que os mesmos não estejam sujeitos a interpretação em diferentes contextos ou países.
Adaptação dos códigos vigentes: Criação de novas normas e padrões de segurança e higiene, revisão das regras de ocupação e limites de pessoas por ambiente que permitam facilmente estabelecer protocolos de distanciamento social em casos de novos surtos, epidemias e pandemias.
Consultas a especialistas: Acompanhamento de especialistas que auxiliem nos processos de análise epidemiológica para garantir que todos os possíveis impactos sejam considerados ao projetar ou reconfigurar espaços.
Selos de certificação para edifícios preparados para situações emergenciais: semelhantes aos programas de certificação de edifícios sustentáveis, como LEED, Fitwel e WELL, ou até mesmo dentro desses mesmos sistemas de certificação, selos que reconhecerão edifícios preparados para situações emergenciais poderiam ser criados para reconhecer projetos e edifícios que estejam adaptados para prevenir e controlar a disseminação de doenças infecciosas.
Integração de programas de treinamento: Criação de programas educativos para arquitetos, designers e engenheiros em todos os estágios da carreira profissional para melhor criar e implementar soluções de projeto que promovam novos comportamentos.
Reavaliação baseada em evidências científicas: Recomendações deverão ser baseadas sempre em evidências científicas comprovadas. Espaços e edifícios podem ser facilmente monitorados, fornecendo dados precisos e em tempo real relacionados a uma determinada situação de restrição ou controle, permitindo adaptá-los rapidamente conformo necessário.
Compreender os distintos padrões de transmissão de doenças infecciosas nos permitirá uma maior autonomia no que se refere à tomada de decisões ao projetar e construir nossos edifícios, além de transformar nosso papel como arquitetos. Nossa capacidade de prever e antecipar os possíveis desafios do futuro nos permitirá desenvolver e implementar estratégias inovadoras que resultarão em ambientes mais adequados ao combate da disseminação de doenças contagiosas. A adoção de novos padrões de segurança e higiene nos permitirá ainda estabelecer novos processos de projeto e construção que estejam em constante evolução e que estes estejam sempre respaldados por pesquisas científicas comprovadas é fundamental—e o nosso futuro depende disso.
Este artigo foi publicado originalmente em Metropolis.
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